Múltiplo Leminski: os traços poloneses do poeta

Caminhar pela exposição Múltiplo Leminski no Museu Campos Gerais remete a um tipo de viagem histórica. O visitante depara-se, logo no início, com a seção que trata das origens do escritor, nascido em Curitiba, em 24 de agosto de 1944. A data permite diálogo com momentos importantes da história do Brasil e do Paraná. A trajetória do avô Leminski ajuda a contar um pouco dessa história.

FLUXO MIGRATÓRIO E A REPÚBLICA

A segunda metade do século XIX, responsável por proporcionar ao Brasil uma intensa atividade migratória, apresentava contexto sociopolítico tenso. O conflito entre escravocratas e abolicionistas adentraria a década de 70 daquele século de forma assídua tendo de dividir os campos de discussão com outra temática em destaque: a questão republicana.

A mesma década de agitação política foi marcada ainda pelo fluxo migratório europeu — inclusive com fomento do Império do Brasil — deslocando, em grande parte, os migrantes para o trabalho no campo. Com o advento da República (1889), o contingente de imigrantes continuaria a chegar ao país, contribuindo com o êxito da atividade cafeeira; com o processo de urbanização inicial e com a industrialização dos principais centros.

DA GALÍCIA A PORTO AMAZONAS

A história da família Leminski está diretamente inserida nesse processo e transitar pela exposição nos possibilita refletir os desdobramentos dessa imigração. Pedro Leminski, avô paterno de Paulo, deixou a região da Galícia, que pertencia ao antigo Império Austro-Húngaro e hoje abrange parte da Polônia e da Ucrânia; chegando ao Brasil em meados de 1895. Por volta de 1900, estava estabelecido na região de Porto Amazonas (PR). O polonês imigrante, que pretendia prover o sustento através do plantio, acabou participando de outra atividade importante para a história: a construção da ferrovia.

Porto Amazonas, desde o início da década de 1890, tinha sua estação ferroviária, Restinga Seca, conectada ao traçado da linha Curitiba–Ponta Grossa. Paralelamente ao avanço da construção da Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande (EFSPRG), a estação Restinga Seca perdia seu papel no traçado entre a capital e os Campos Gerais, graças à abertura da estação Caiacanga — na região da Lapa.

Nessa empreitada, que tinha como objetivo palmilhar a região entre Palmeira (PR) e Balsa Nova (PR), não somente o avô paterno de Leminski, mas também seus tios e pai estiveram concentrados na atividade. Em estudo sobre a edificação da linha sul da São Paulo–Rio Grande, a historiadora Espig (2012) relembra que o uso de mão de obra imigrante, principalmente polonesa, foi muito comum naquela época, em especial na região da “Serrinha” (região da Balsa Nova). O mesmo estudo classificou como frequente o emprego de colonos imigrantes em atividades relacionadas à ferrovia durante períodos de interrupções nas plantações, o que fornecia ganhos econômicos responsáveis para o sustento da família enquanto perdurasse o intervalo entre as colheitas (ESPIG, 2012).

POLONAISES

Anos mais tarde, Paulo Leminski, pai do escritor, constituiria sua vida por meio da carreira militar e formaria sua família, décadas depois, quando já vivia na capital do estado paranaense. Em Curitiba conheceria Áurea Pereira Mendes, com quem teve Paulo Leminski Filho (o escritor) e Pedro Leminski.

Esse exercício histórico de digressão pode ser feito a partir da seção que trata a trajetória familiar do escritor. As influências polonesas paternas aparecerão nos escritos de Paulo Leminski Filho, vide o livro Polonaises (1980) – em exposição no MCG. Dessa forma, ao lado das origens maternas, um trecho da história da imigração, do Paraná, da intelectualidade e da formação do brasileiro pode ser problematizado por aqui.

 

Referências

ESPIG, M. J.. A construção da Linha Sul da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande (1908-1910): mão de obra e migrações. Varia História (UFMG. Impresso), v. 28, p. 849-869, 2012.

Disponível em: >https://www.scielo.br/j/vh/a/W8tmCT9rGP3dYmVbxVSQ9Fq/?lang=pt<. Acesso em 23 de ago. de 2021.

LEMINSKI, Aurea Alice; LEMINSKI, Estrela Ruiz. Meu coração de polaco voltou (powrócito moje polskie serce). Origem e influência polonesa na obra de Paulo Leminski.

Verbete sobre a imigração disponível no site da FGV CPDOC.

 

Recomendações

Filme Vida e Sangue de Polaco, dirigido por Sylvio Back (1982).

 

Pesquisa e texto: Ricardo Enguel Gonçalves, especial para o Museu Campos Gerais.

 

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