Múltiplo Leminski: um poeta no mosteiro de São Bento

Colaborador da revista Invenção, integrante do movimento Áporo, músico, professor, jornalista, publicitário, poeta, artista multifacetado e iniciado beneditino. Sim, dentre as várias experiências adquiridas por Paulo Leminski (1944–1989) ao longo de sua trajetória, uma delas foi ter passado parte de sua adolescência no Largo de São Bento, na cidade de São Paulo.

O Mosteiro de São Bento, localizado na região central da capital paulista, é composto pela Abadia Nossa Senhora da Assunção, Faculdade de São Bento e pelo Colégio de São Bento. A ligação entre São Paulo e a ordem beneditina remete a fins do século XVI, quando os beneditinos, já consolidados na Bahia, deslocam-se para outras regiões do território colonial com intuito de fundar novos mosteiros. Desse deslocamento surgiriam os mosteiros no Recife, no Rio de Janeiro e em São Paulo (LOSE, 2009).

A ordem monástica fundada por Bento de Núrsia (480 a 547 d.C), no século VI, caracterizou-se pela formação de monges copistas durante a Idade Média, o que, de certa maneira, possibilitou significativa produção, coleta e guarda de documentação escrita. Essa tradição contribuiu com a constituição de bibliotecas sob a administração dos beneditinos, contendo uma diversidade de obras e documentos históricos raríssimos — vide a biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia.

Acrescida da máxima de São Bento “Ora et Labora” (ora e trabalha), o hábito da leitura e a disciplina são condições inegociáveis para os cenobitas enclausurados. Conduzidos pela Regra de São Bento, os monges são ensinados a jamais abandonar a prática da leitura: “às mesas dos irmãos não deve faltar leitura” (Capítulo 38. Do leitor semanário. REGRA DE SÃO BENTO). Também se recorrere a ela como uma forma de combate à ociosidade.

Portanto, a afirmação “um mosteiro beneditino sem biblioteca é um engodo” (BRAYNER, 2017, p. 92), publicada pelo pesquisador Brayner na revista digital Memória e Informação, nos convida a perceber a bagagem erudita e intelectual adquirida pelo jovem Leminski no curto período em que esteve cercado pelos muros da abadia.

O contato de Paulo Leminski com os monges beneditinos, deu-se por volta dos 13 anos, quando o curitibano decide mudar-se da capital paranaense para experienciar a rotina disciplinada de estudo e trabalho no Colégio de São Bento. Permanecendo lá por aproximadamente um ano (1958 a 1959), deve parte da formação do seu intelecto, isto é, do capital cultural adquirido, ao mosteiro, tendo em vista a biblioteca com cerca de 70 mil volumes, entre obras raras e originais em latim e grego, acessível e disponível para sua exploração (KOSICKI, 2016). A biblioteca do mosteiro de São Bento é a mais antiga de São Paulo e hoje reúne mais de 100 mil livros.

Ainda que curto, o tempo vivido na condição de oblato trouxe para a trajetória de Leminski importante ganho de capital erudito, principalmente na lida com línguas estrangeiras, crucial para elaboração das várias traduções feitas pelo escritor (as traduções encontram-se no espaço destinado ao escritório do Leminski na exposição no MCG).

Pax!

Referências

BRAYNER, Cristian.. As Bibliotecas Beneditinas do Brasil: diagnóstico preliminar. Memória e Informação, v. 1, p. 87, 2017.

Disponível em: >http://memoriaeinformacao.casaruibarbosa.gov.br/index.php/fcrb/article/view/19/19<. Acesso em 19 de ago. de 2021.

KOSICKI. João Victor Chaves Serpa. KAMIQUASE: a trajetória intelectual de Paulo Leminski e o campo literário brasileiro (1944-1975). São Paulo, 2016. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Disponível em: >https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-24092019-181438/publico/2016_JoaoVictorChavesSerpeKosicki_VOrig.pdf<. Acesso em 16 de ago. de 2021.

LOSE, A. D.. Dietário (1582-1815) do Mosteiro de São Bento da Bahia: edição diplomática. Telles, C. M. Colaboradora. Salvador: Edufba, 2009. 380 p. Disponível em: >http://books.scielo.org/id/5h<. Acesso em 17 de ago. de 2021.

Fontes

Biblioteca da Faculdade de São Bento.

Regra de São Bento.

 

Pesquisa e texto: Ricardo Enguel Gonçalves, especial para o Museu Campos Gerais.

 

 

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