O legado de Hipnos

O legado de Hipnos

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Mesmo sendo prática científica, a hipnose pode ser praticada por ações não reconhecidas pela ciência

 

Ao longo da história da humanidade, a sociedade sempre encontrou formas de tentar explicar fatos e fenômenos que iam além da compreensão lógica da vida. Foi a partir deste propósito que surgiram os primeiros mitos e lendas criados na Antiguidade com o propósito de sanar questões que os seres humanos ainda não haviam encontrado respostas. Um exemplo disso é a narrativa de Hipnos, Deus do sono para a mitologia grega. 

Hipnos vivia num palácio construído dentro de uma grande caverna, afastado de tudo e todos, numa região tão longe que sequer o sol era capaz de alcançar. O deus grego habitava em meio à tranquilidade, paz e silêncio de seu reino, tão solitário que conversava apenas com o eco de sua voz na caverna. O palácio era cercado por Lete, o rio do esquecimento. Dizem as lendas que todo homem que passasse por suas margens e bebesse de sua água era inundado por uma sensação de relaxamento, ocasionando um súbito e profundo sono. 

A história de Hipnos ganhou novos contornos e passou a fundamentar teorias científicas sobre o controle da mente humana.  Foi em 1842, com o médico e pesquisador James Braid, que o termo hipnose foi cunhado (junção do grego Hipnos = sono, e do latim osis = ação, processo), referindo-se ao estado de consciência reduzido a um ponto em que a mente está aberta a seguir sugestões ou instruções de um emissor paralelo. 

Considerado até os dias atuais como o pai da hipnose científica, Braid foi um dos pioneiros a realizar experimentos de indução ao processo hipnótico na sociedade Ocidental. Contudo, conforme seus estudos avançaram, ele mesmo concluiu que havia cometido um erro quanto à nomenclatura aplicada ao procedimento, visto que nenhum de seus pacientes chegava a efetivamente dormir durante uma sessão de hipnose. Mas nada poderia ser feito a partir de então para mudar o passado: o termo já havia se popularizado e estourado a bolha da ciência, sendo associado ao misticismo e, posteriormente, apropriado pelo charlatanismo. 

De relatos de pessoas que acreditam terem sido forçadas a falar ou fazer coisas por meio dos “poderes de um hipnotizador” a shows de mágica, filmes e séries que se utilizam de estereótipos para abordar o tema, a hipnose se tornou cada vez mais mal vista aos olhos do grande público. Contudo, a ciência aos poucos busca mostrar um outro lado deste campo de estudos da mente. 

Para a psicóloga Anna Luiza Portier, a prática da hipnose, reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia no ano 2000, é compreendida como terapia auxiliar. “Mesmo que muitos não acreditem, a hipnose tem mostrado efeitos positivos para pacientes atendidos em clínicas que prestam atendimento psicológico. Quando feita por um profissional capacitado, e após uma avaliação que comprove que o paciente reagiria positivamente a esta forma alternativa de tratamento, não vejo motivos para banalizar a prática que traz somente benefícios”, afirma. 

Segundo Anna Luiza, se o paciente é suscetível à indução por meio da hipnose e se mostra disposto a tentar uma nova abordagem ao tratamento, o mesmo passa a ser atendido em sessões de hipnoterapia, muito utilizada no acompanhamento de traumas ou vícios. A psicóloga destaca que, se ao longo das sessões ocorrer uma evolução no quadro clínico do paciente, este é um sinal de que muitos destes problemas podem ser atenuados durante o processo ou até mesmo desaparecer por conta da hipnoterapia. “Porém, isso não significa que uma pessoa, quando faz a hipnoterapia, perde o controle da própria mente e nunca mais retornará a seus antigos hábitos. O que altera em uma sessão de hipnose é somente o estado de consciência em que o paciente se encontra, e é por meio dessas alterações que é possível conduzi-lo por caminhos que lhe permitam uma maior qualidade da saúde mental”, diz. 

A visão positiva da prática da hipnose se estende também aos fenômenos extra-sensoriais que não são contemplados nas práticas científicas. De acordo com o Instituto Nacional de Parapsicologia e Psicometafisica (INPP), apesar de trabalhar com a possibilidade de haver manifestações sobrenaturais em nossa vida cotidiana e não utilizar de métodos científicos, a parapsicologia vê na hipnose a capacidade de descobrir possíveis gatilhos mentais que causam problemas na vida dos pacientes. Por meio de técnicas como a reprogramação mental, a regressão da memória e a mediunidade é possível realizar diagnósticos de doenças mentais e físicas, englobando desde insônia, potencializadas pelos sentimentos de culpa e medo, e ansiedade, associada à falta de confiança. 

Apesar de ser um processo ainda em andamento, nota-se que o preconceito com a prática da hipnose constrói inclusive pelos próprios profissionais da psicologia. Somente em Ponta Grossa, em uma breve pesquisa das redes sociais, mais de vinte e cinco clínicas prestam atendimentos hipnoterapêuticos no município. Talvez James Brain não estivesse totalmente equivocado em sua conexão entre a história de Hipnos e os tratamentos psicológicos. Afinal, o que é a hipnoterapia se não uma tentativa de dialogar com seu subconsciente, assim com o deus grego que conversava com o eco da própria voz na caverna em que vivia?

Leia na próxima edição da Nuntiare os depoimentos de pessoas que passaram por sessões de hipnose. 

 

Ficha técnica:

Reportagem: Manuela Roque

Arte: Manuela Roque e Yasmin Orlowski

Edição e Publicação: Larissa Godoy e Cássio Murilo

Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral

Supervisão de publicação: Carlos Alberto de Souza, Cândida de Oliveira


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